Alexandre Garcia
Em outro mundo
No próximo 1º de março vai completar 33 anos que multidões saíram para rua com um distintivo na lapela “eu sou fiscal do Sarney”, fechando supermercados e farmácias que não cumpriam o congelamento de preços.
Alexandre Garcia
No próximo 1º de março vai completar 33 anos que multidões saíram para rua com um distintivo na lapela “eu sou fiscal do Sarney”, fechando supermercados e farmácias que não cumpriam o congelamento de preços. A aventura terminou logo. Pensei que as multidões que saíam as ruas não iriam mais voltar para casa; iriam permanecer, fiscalizando o governo e os políticos. Mas tudo terminou na passividade de outrora. Em 1992 vieram os carapintadas, enchendo as ruas para derrubar Collor. Conseguiram o impeachment e voltaram para casa, emudecendo de novo. Ainda não havia redes sociais naquela época.
Mas em junho de 2013, as redes sociais já estavam maduras e passaram a ser usadas para mobilizações populares. A faísca foi o aumento de passagens em São Paulo, e foi um rastilho para o país inteiro, porque ninguém mais aguentava a corrupção, o desemprego, a mentira. A Lava-jato, que eclodiu em março de 2014, mostrou o quanto a desonestidade, a safadeza, a corrupção, estavam entranhadas, institucionalizadas no governo. O jornalismo investigativo foi um auxiliar precioso da polícia e do Ministério Público. E se foi conhecendo a corrupção distribuída nos legislativos, nos tribunais, nas prefeituras, nos tribunais de contas, nos governos estaduais e federal. O povo descobriu porque paga tanto imposto e não tem serviços públicos decentes. Perdeu a paciência, assumiu a cidadania e abandonou a passividade.
Saiu para as ruas xingando os vampiros que o suga. Entrou numa campanha eleitoral sem precisar de tutela, com a rede social na mão. E derrotou o dinheiro, derrotou os marqueteiros, derrotou a velha política e os velhos políticos, derrotou as velhas idéias, o velho populismo, a demagogia, a mentira, a corrupção. E, desta vez, não voltou para casa. Continua ativo, na democracia direta das redes sociais, a nova ágora onde se debatem ideias, se faz crítica, se dá sugestões, se manifesta.
Renan foi testar a nova força, a nova opinião pública, ao buscar a presidência do Senado, só aparecendo candidato na véspera, como se temendo dar tempo à reação das ruas digitais. Nem assim. Os senadores sentiram o peso da cidadania virtual. No Supremo, pouco antes do Natal, dez minutos depois de ser anunciada a soltura de milhares de condenados em segunda instância, o povo já estava lá em frente, mostrando que é a origem do poder. O voto de outubro não foi uma brincadeira a para a maioria que era silenciosa. Foi voto em ideias e ideais, que não desaparecem nas urnas, mas ficam nos cérebros e corações. Quem não se adaptar a essa nova democracia, mais autêntica e de manifestações imediatas, é porque ainda está em outro mundo, em algum lugar do passado.