Alexandre Garcia
Deveres e direitos
Quando eu estava no segundo ou terceiro ano do Grupo Escolar, lá pelo fim dos...
Quando eu estava no segundo ou terceiro ano do Grupo Escolar, lá pelo fim dos anos 40, tinha que saber de cor Os Direitos e Deveres do Cidadão Brasileiro. Naquele tempo, a gente tinha no curso primário o aprendizado de cidadania. E só anos depois percebi que talvez nosso problema nacional esteja numa ordem de fatores que altera o produto: nos acostumamos com direito em primeiro lugar – e só depois dever. Obviamente que direitos se conquistam com o cumprimento dos deveres. Hoje me deram para ler o Estatuto do Idoso. Como idoso que sou – pelo menos na idade – tratei de ler a lei e vi que é uma sucessão infinda de direitos, embora sejam os mais óbvios – quase todos direitos naturais que nem precisam ser expressos em lei.
Assim, escreveram também os direitos dos adolescentes, no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim como o Estatuto do Idoso não tem impedido que idosos fiquem ao desamparo de seus próprios descendentes, a bonita lei do ECA não impede que jovens entrem no mundo do crime, tão atraente no Brasil de hoje. Mais do que isso, o ECA é o protetor daqueles jovens que entram no mundo do crime. Semana passada, no Rio, um menino de 10 anos foi morto com um tiro na cabeça, porque um menor de 17 anos lhe emprestou uma arma para brincar, e depois tentou tirar-lhe a arma da mão. O jovem dono da arma de fogo já havia atirado na polícia, e fora apreendido; já havia sido flagrado com tráfico de drogas e fora apreendido; já havia sido pego com porte ilegal de arma e fora apreendido; já havia aparecido no Jornal Nacional assaltando pessoas em Copacabana e fora apreendido – mas estava sempre solto logo depois, protegido pela lei.
Quando começaram as primeiras prisões no mensalão, deputados e senadores logo providenciaram um afrouxamento ainda maior de leis penais e de execuções penais, para evitar prisão em regime fechado. A tal progressão de pena ficou ainda mais suave para o criminoso. Ao mesmo tempo, ONGs manifestavam suas preocupações com bandidos dentro das prisões, mas não com bandidos nas ruas. Intelectuais do Judiciário passaram a fazer campanhas para aliviar as prisões superlotadas. Na onda, entraram os direitos humanos dos bandidos, que sempre esquecem dos direitos humanos das vítimas.
Também semana passada, aparece um líder de facção criminosa sendo fuzilado no Ceará, com a ajuda de um helicóptero, e em São Paulo, outro líder sendo fuzilado diante de um hotel de cinco estrelas. Os dois justiçamentos, comandados de presídio, mostram que líderes de facções, já conhecidos e identificados, andam soltos por aí, graças às leis que foram mudadas para aliviar políticos, mas aliviaram todos os outros criminosos. Por outro lado, no país dos direitos, se deixa de lado o mais básico de todos, que é o direito à vida. O estatuto do desarmamento não desarma bandidos – ao contrário, os deixa mais à vontade, porque sabem que a cidadania desarmada está sem a ferramenta derradeira do exercício da legítima defesa. Uma idosa, como aquela de Caxias do Sul, encontrou em um revólver velho, o direito à vida, que a igualou à força do jovem bandido que entrara na casa dela. Está na hora de os legisladores mostrarem de que lado estão e mudar essas leis.