Alexandre Garcia
17 de junho de 2020 - 15:09

A bandeira e a crise

Nascemos num país que não sofre terremotos, furacões, erupções vulcânicas; temos terra suficiente para alimentar o mundo, belezas e clima de paraíso; não temos atentados terroristas que volta e meia abalam outros países, nem tínhamos ódios raciais, ideológicos ou luta de classes.

            Nascemos num país que não sofre terremotos, furacões, erupções vulcânicas; temos terra suficiente para alimentar o mundo, belezas e clima de paraíso; não temos atentados terroristas que volta e meia abalam outros países, nem tínhamos ódios raciais, ideológicos ou luta de classes. Nos últimos anos, esses ódios foram se institucionalizando e agora se expressam nas ruas e noticiários. Parece masoquismo: podemos ser felizes mas nos submetemos à  penitência do sofrimento.

            Como se não bastassem a crise sanitária, que já leva 44 mil vidas  – e a consequente crise econômica, que vai matando milhares de empresas e milhões de empregos, alimentamos uma crise institucional entre o Supremo e a Presidência da República. O disse-me-disse entre uns e outros é seguido pela mídia, redes sociais e ruas, com entusiasmo de torcidas organizadas do futebol – que, aliás, entraram também nesse campo. A Saúde e a Economia sofrem crises reais, fora do controle da vontade dos que operam esses setores. Mas a crise político-institucional não está fora de controle. Ela acabaria no momento em que a sensatez imperasse de ambos os lados e torcidas. Em que egos e vaidades cedessem passagem para o bem comum.

            No inçado terreno da insensatez, inventaram do nada o fator militar. No masoquismo reinante, estão procurando, com o fósforo aceso, se há pólvora no barril. Em 1964, pela lembrança de meus 23 anos, começou com a Igreja assustada com o comunismo, logo seguida pelos grandes jornais – a TV ainda engatinhava – e o povo foi às ruas, exigir que dos quartéis saísse o contragolpe no governo que estaria preparando uma revolução marxista. Na época, o presidente era o vice e não tinha como hoje representação de quase 58 milhões de eleitores. Agora mudaram os atores, mas o libreto dessa ópera é uma reprise de argumentos.

            E já que lembramos do período militar, recordemos que o Supremo não fechou um dia sequer e que até o Superior Tribunal Militar absolvia enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Hoje, de novo se enquadram pessoas na LSN. E a crise de ficção começa a parir realidades, depois do casamento dos semeadores da discórdia com as vivandeiras. O povo fardado, formado para defesa da Pátria, da lei e da ordem, assiste preocupado a esse inútil desperdício de energia, num momento em que todo poder nacional deveria se concentrar no combate a uma doença que atinge a vida de pessoas físicas e jurídicas. É insano alimentar mais uma crise, se estamos sob a mesma bandeira.  

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