Alexandre Garcia
O Pesadelo
Desde que nasci, em 1940, nunca testemunhei tanto radicalismo como agora. Um radicalismo ainda latente, embora com algumas demonstrações que revelam sua intensidade.
Desde que nasci, em 1940, nunca testemunhei tanto radicalismo como agora. Um radicalismo ainda latente, embora com algumas demonstrações que revelam sua intensidade. Como um vulcão ativo, que volta e meia emite fumaça, só para mostrar que está muito quente. Vejo hoje nas manifestações de rua. Dos dois lados se percebe nas redes sociais. Num gráfico isso seria mostrado como uma ferradura: os dois extremos estão mais próximos entre si – embora opostos – que ambos em relação ao centro.
Vê-se isso nas agressões – sempre a covardia do celular gravando, para usar contra o agredido qualquer reação defensiva dele – nos aeroportos, nas ruas, numa atitude raivosa, cheia de adjetivos, sem argumentos racionais. O ex-presidente da República, com prisão decretada, não aproveitou a oportunidade para jogar água na fervura, mas agiu jogando gasolina na fogueira de seus seguidores, menosprezando a lei e as instituições – que são a espinha dorsal da estabilidade e do sistema democrático. Entre tapas, tiros, socos e pauladas é que os dois grupos discutem suas posições. Em vésperas de eleições gerais, esse vulcão corre o risco de entrar em erupção.
O país acabou dividido em mortadelas e coxinhas, em trabalhadores e exploradores, em pobres e ricos – dividiu-se o Brasil até por cor da pele e por preferências sexuais. Tudo mostra que não aprendemos com a História, com tempos recentes em que houve divisões entre arianos e judeus, burgueses e proletários, bolivarianos e imperialistas. Divisões que lembram Hitler, Stálin, Fidel, Chavez – regimes sem liberdade. E agora estamos, por aqui, divididos entre nós e eles. O nós sempre é o bem e o eles é o mal – sejam quais forem as cores. Caminhamos para o desafio, por causa de uma lei física: a toda ação corresponde uma reação em sentido oposto. E a resultante é que podem anular a democracia.
Mais do que nunca é o momento de apostar nas instituições, ainda que algumas estejam carcomidas e enfraquecidas pela corrupção – o sinal mais evidente disso é a condenação e prisão de um ex-presidente da República, não por crime político, como acontece nos regimes de exceção, mas por crime comum. Há tempo que saímos das regras da normalidade democrática; invasões e depredações sem reação da lei; enfraquecimento das leis penais, cada vez mais lenientes com o criminoso; Justiça demorada e eivada de recursos protelatórios, fortalecendo a impunidade; desmoronamento das regras de civilidade, de convívio urbano, de honestidade, de princípios éticos. O país parece um boneco de areia, que vai perdendo a umidade que agrega seus grãos; vai secando com um vento maldito e erodindo e perdendo a forma. Fica a impressão de que nada foi ao acaso, como se houvesse uma inteligência inimiga planejando ocupar depois de ter invadido e tomado os órgãos mais sensíveis. Que essa suposição seja apenas um pesadelo e que acordemos rápido.